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Luxo e Responsabilidade Socioambiental

A preocupação das empresas com o impacto social e ambiental decorrente de sua atuação tem se mostrado, felizmente, crescente.

Além da conscientização por parte de algumas delas, há a positiva influência exercida pela sociedade, que acaba por contribuir para regular, via pressões de mercado, algumas atividades. Os consumidores, em especial os mais jovens, vêm buscando maior engajamento com as empresas que compartilham de suas convicções: mais que “o que” comprar, questionam “por que” comprar de uma determinada marca e, consequentemente, por que não comprar de uma outra. Observa-se a escalada da valorização de propósitos relevantes na condução das organizações.

Os diversos segmentos do luxo, tradicionais difusores de tendências para outros modelos de negócios, têm condições de assumir papel de destaque nesse movimento em busca de práticas corporativas mais sustentáveis. Em primeiro lugar, parte importante de seu sucesso reside no controle rigoroso da qualidade dos insumos que utilizam em seus produtos e serviços. Tal controle implica em maior proximidade com os fornecedores, no conhecimento das origens dessas matérias primas e permite a detecção e rejeição de fontes que adotem práticas não responsáveis.

Também no ambiente interno das empresas dedicadas ao luxo, é de se esperar uma atuação de maior consciência. O treinamento de um artesão pode levar anos e geralmente é longa sua permanência em uma companhia. Diante dessa duradoura convivência, é natural a expectativa de que elas garantam o bem estar e a justiça entre seus colaboradores, o que, além de edificante para o próprio funcionário, também resulta em maior desenvolvimento econômico-social para as comunidades localizadas no entorno de suas instalações.

Em terceiro lugar, a qualidade / durabilidade dos produtos é um dos pilares do luxo e combina perfeitamente com a ideia de adquirir menos itens e desfrutar deles por mais tempo. Um produto dessa categoria tem vocação para passar por gerações, o que contrasta com o ritmo acelerado de compra e descarte que move o fast fashion, por exemplo.

Algumas iniciativas positivas têm surgido no setor. Na moda, nomes como Viviane Westwood e Stella McCartney adotam, há anos, materiais recicláveis ou alternativos aos de origem animal e demonstram preferência por fibras orgânicas em suas criações. A grife italiana de cashmere Loro Piana criou, no início dos anos 2000, iniciativa que salvou da extinção as vicunhas no Perú, estimulando e fiscalizando a adoção de bons tratos aos animais, criados soltos, e garantindo às comunidades andinas a exclusividade na extração e comercialização daquele que é conhecido como o pelo mais macio oferecido pela natureza. Mais que garantir a continuidade do fornecimento de sua mais importante matéria prima, a empresa estimula, dessa forma, práticas sustentáveis. O estilista Giorgio Armani anunciou, em 2016, o banimento da pele natural de suas coleções, o que vem acontecendo também em marcas como Versace, Givenchy, Gucci e Burberry. E a francesa Hermès, embora permaneça adotando materiais de origem animal, investe, desde 2010, na Coleção Petit H, que utiliza retalhos de couro, antes descartados, na criação de peças únicas. Também já foi anunciado por algumas dessas marcas o abandono da prática de destruir produtos não vendidos de coleções passadas. Busca-se agora sua renovação criativa para reuso.

A indústria de cosméticos vem, por sua vez, utilizando cada vez mais os insumos vegetais ou sintéticos e algumas marcas vêm abolindo os testes em animais. Alguns representantes da gastronomia de alto padrão também têm adotado iniciativas como a aquisição exclusiva de ingredientes de origem ética e a rejeição aos produzidos em locais muito distantes, para minimizar a poluição causada pelo seu transporte. Até o tradicional foie gras, o fígado de ganso, tem gerado polêmicas devido ao sofrimento imposto às aves para sua produção e já foi excluído de alguns cardápios.

A extração de pedras e metais preciosos envolve alteração substancial do cenário natural e utilização de produtos químicos. Em face disto, a indústria tem buscado alternativas viáveis para as gemas. Os diamantes cultivados, tradicionalmente rejeitados pela joalheria, começam a alcançar maior aceitação e foi criada em Londres a Lark & Berry, a primeira marca que adota exclusivamente pedras criadas pelo homem e faz disso seu diferencial de mercado.

Outras iniciativas dedicam-se ao desenvolvimento de materiais que possam substituir esteticamente outras gemas. Essas novas matérias primas não trazem consigo o significado simbólico de minerais cultivados pela natureza ao longo de milhões de anos. Mas seu apelo diante dos consumidores vem exatamente da preservação, em alguma medida, dessa mesma natureza.

Em paralelo a tais esforços, ainda em consolidação, nomes importantes da joalheria têm se voltado a questões ligadas à responsabilidade social. Buscando evitar a exploração (des)humana nos garimpos e o financiamento de conflitos como os retratados no filme Diamante de Sangue, de 2006, há certificados destinados a controlar a procedência dos diamantes e de outras gemas. Várias marcas já adquirem apenas pedras certificadas.

A suíça Chopard investe, desde 2013, no fairmined gold (ouro minerado de forma justa), que é proveniente de origens controladas, de minas que adotam extração ética e artesanal. Dessa forma, procura estimular o desenvolvimento social das comunidades envolvidas na extração, as condições dignas de trabalho e a redução do impacto ambiental. O “ouro ético”, primeiramente empregado em 2014, em um dos modelos de relógios da marca, vem sendo crescentemente utilizado também em suas coleções de joias.

Outro exemplo, menos conhecido, é o da Brilliant Earth, da California, cujo posicionamento é inteiramente voltado ao estímulo de práticas sustentáveis. Platina e ouro utilizados em suas joias são reciclados, a fim de evitar novas extrações, as gemas provêm de fornecedores de atuação ética e ambientalmente sustentável e as pérolas são cultivadas em “fazendas” dedicadas a preservar espécies raras de ostra. Os estojos são confeccionados em madeira de reflorestamento e cinco por cento dos lucros da empresa são destinados a projetos de educação, restauração ambiental e desenvolvimento econômico das comunidades ligadas à mineração. Todo um posicionamento de marca voltado à responsabilidade.

Na hotelaria, as iniciativas vão desde os esforços para diminuir as trocas (e lavagens) de toalhas, passando à capacitação e valorização das comunidades vizinhas, reciclagem de água, gerenciamento de resíduos sólidos, tratamento da água utilizada antes de devolvê-la ao meio ambiente e utilização, nas cozinhas, de ingredientes locais, muitas vezes produzidos dentro dos próprios empreendimentos. Outros investem na recuperação da flora e fauna locais.

Cabe ressalvar novamente que essas e outras iniciativas não decorrem somente da conscientização dos executivos responsáveis pelas marcas. Trata-se também de uma exigência emergente de consumidores e dos demais segmentos da sociedade. Os passos já dados são pequenos diante do volume de correções necessárias, já que práticas usuais no passado mostram-se inadmissíveis em nosso tempo. Ainda assim, merecem registro, representando movimentos importantes no sentido de uma atuação corporativa mais ética e sustentável, feliz tendência que vem contribuindo para desenhar o consumo de forma geral – e o consumo de luxo – ao longo do século XXI.

Por Rosana de Moraes, em abr’2016
Atualizado em 06.09.2018

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